segunda-feira, 29 de setembro de 2014

semana farropilha

Mulher Gaúcha Antonio Augusto Fagundes gentileza de Paulo Roberto Vargas Os velhos clarins de guerra desempoeirando as gargantas quero-querearam no pago. E o patrão coronelado, reuniu em torno parentes, posteiros, peões e agregados. Chegara um próprio do povo trazendo urgente recado que se ia pelear de novo e o coronel, satisfeito, dizia, fazendo graça: "vamos ver, moçada guapa, quem honra a estirpe farrapa e atropela numa carga por um trago de cachaça...Os velhos clarins de guerra desempoeirando as gargantas Um filho saiu tenente, o mais velho - capitão, um tio ficou de major. (o pobre que passa o pior, a oficial não chega, não: o capataz foi sargento, um sota ficou de cabo e a peonada, e os posteiros, ficaram soldados rasos pra pelear de pé no chão...) Carneou-se um munício farto - vindo de estâncias vizinhas - houve rações de farinha, queijo, salame e bolacha, se santinguando em cachaça a sede dos borrachões. E a não ser saudade e mágoa nada ficou pra trás a garganta dos peçuelos misturava pesadelos sanguessugando, voraz, cartuchos e caramelos, o talabarte e o pala, bolacha e pente de bala, fumo e chumbo - guerra e paz... No humilde rancho de um posto, um moço encilhou cavalo beijou a prenda e se foi. Na madrugada campeira luzia a estrela boieira sinuelando o arrebol e as barras de um dia novo glorificavam o horizonte lavando a noite defronte com tintas de sangue e sol. E durante largo tempo ficou a moça na porta olhando a estrada, a chorar, sem saber porque o marido tem que partir e lutar, não entendia de guerra! Pobre só votam em quem mandam e desconhece outra coisa que não seja trabalhar. Então a moça franzina tomou uma decisão! Esqueceu delicadezas, ternuras de quase -noiva e atou os cabelos negros debaixo de um chapelão e se atirou no trabalho, cuidando da casa e campo, do gado e da plantação. Emagreceu e tostou-se e enrijeceu como o aço! Temperando-se na luta madurou-se como a fruta que é torcida no baraço. Montou e recorreu campo, botou vaca, tirou leite e arrastou água da sanga. Fez do tempo a sua canga no lento girar do dia e quando as vezes parava comovida, acariciava o ventre, que pouco a pouco se arredondava e crescia. Só a noite, quando cansada fechava o rancho e dormia seu homem lhe aparecia: ora voltava da guerra, ora peleava - e morria!... Que triste o rancho vazio nas longas noites de frio ou nas tardes de garoa! Que medo de ir a estância! (e ao mesmo tempo, que ânsia de saber notícia boa!) Vizinha perdera o filho. pra outra, fora o marido. E um dos que tinham, morrido, um moço, que era tropeiro, quando feito prisioneiro tinha sido degolado sem nenhuma compaixão. E até um filho do patrão se ensartara numa lança em meio a uma contradança de berro, tiro e facão. E o fulano? Que fulano? Aquele, que era posteiro! Moço guapo! No entrevero é como um raio a cavalo. Trezontonte levou um pealo mas é sujeito de potra: já está pronto pra outra, sempre disposto e faceiro. E a moça voltava ao rancho, tão moça ainda, e tão só! E quando fitava a estrada, só via o vazio do nada, o nada o silêncio e o pó. Não sabe quem vem primeiro, se vem o pai, ou o filho. E os seus olhos, novo brilho roubaram de dois luzeiros. Cada noite, cada aurora, vai encontrá-la a pensar: quando o marido voltar, de novo estará bonita - novo vestido de chita e novo brilho no olhar. E quando o filho chegar, quantas cargas de carinho carretearão os seus dedos! Quantos e quantos segredos sussurrarão, bem baixinho! E para ele, os passarinho cantarão nos arvoredos... Qual deles chega primeiro? E se um deles não chegar...? Mas a guerra segue além, o filho ainda não vem e ela a esperar e a esperar!... Bendita mulher gaúcha que sabe amar e querer! Esposa e mãe, noiva e amante que espera o guasca distante e acaba por compreender que a vida é um poço de mágoa onde cada pingo d'água só faz sofrer e sofrer. Orgulho de ser dessa terra cheia de costumes histórias e tradições. Iara Proensa